Com o avanço da pecuária brasileira, os pecuaristas, especialmente os ovinocultores e caprinocultores depararam com um grande problema: a predação do rebanho por carnívoros silvestres e cães domésticos.
Com o processo de desmatamento acelerado em algumas regiões e reservas legais isoladas, reduziu a abundância de presas naturais, tornando restrita as áreas de ocorrência dos predadores selvagens, favorecendo a predação dos rebanhos. Estes predadores, principalmente os felídeos, têm sido eliminados por pecuaristas para evitar novos prejuízos econômicos.
Foto 1 - Ovelha atacada por cachorro doméstico: geralmente o dano é grande e vários animais podem ser mortos num mesmo dia, porém sem serem consumidos.
No Brasil, poucos estudos foram realizados em relação a ataques de predadores à criação de ovinos e caprinos, sendo informações como frequência e danos causados pouco reportados. Portanto, é comum ouvir relatos de produtores sobre ataques causados por cães errantes e onças. Sabe-se que os cães domésticos são capazes de matar dezenas de animais em uma só noite, e que onças pardas são capazes de matar até 50 animais no mesmo tempo.
Dados publicados pelo National Agricultural Statistics Service, do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, apontam perda por ataque de predadores de US$1.953.600,00 em 2005 e US$1.832.500,00 em 2006, sendo que deste total, 75% refere-se a perdas em cordeiros e 25% em ovinos adultos. Em números de animais, foram mortos 21.000 ovinos por predadores em 2005 e 24.600 em 2006.
Foto 2 - Ovelha atacada por cachorro doméstico
Tabela 1 - Predadores com relato de ataque a rebanhos de ovinos ou caprinos na América do Sul.
Diferente de outros países europeus, o governo brasileiro não indeniza animais domésticos mortos por ataques de predadores.
A utilização de cães de guarda de rebanho é indicada oficialmente pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, por organizações de proteção a fauna na Europa e África e países da União, sendo considerada como método tradicional e na maior parte das vezes, não-letal, de controle de predadores que pode ajudar na conservação de carnívoros silvestres, havendo vários estudos que demonstram o alto sucesso na redução de mortes no rebanho por ataque de predadores, sendo os cães de guarda de rebanho amplamente utilizados em pastos abertos, pastos cercados e instalações de ovinos na Europa, Ásia, África, Américas e Austrália protegendo os rebanhos e consequentemente, os canídeos, felídeos, ursídeos, hyaenídeos e primatas.
No Brasil, o CENAP (Centro de Pesquisas para a Conservação dos Predadores Naturais), em trabalho conjunto com a Associação para Conservação dos Carnívoros Neotropicais (Associação Pró-Carnívoros) e também outras ONGs de proteção a predadores silvestres, vem elucidando as necessidades de conservação das espécies de carnívoros e seus habitats, porém muitas vezes sem trazer uma ferramenta para que os pecuaristas protejam os rebanhos contra predadores. Infelizmente hoje, no Brasil, nenhuma entidade menciona ou sugere a utilização de cães de guarda de rebanho para proteção de plantéis de ovinos e caprinos.
Origem dos cães de guarda de rebanho
As raças de cães existentes hoje são originarias dos lobos (Canis lupus), com trabalhos revelando semelhança de DNA de 99,8%. Mais precisamente são descendentes de pequenos lobos indianos (Canis lupus pallipes) datando 140.000 anos, tendo sido encontrado na China as primeiras associações entre o homem e uma variedade de lobo de pequeno porte (Canis lupus variabilis), datando 150.000 anos.
Há milênios, os cães tem sido empregados na Eurásia para a guarda e proteção de rebanhos de caprinos e ovinos contra predadores selvagens, cães errantes e ladrões.
Os cães de guarda de rebanho tem como antecessor distante, o Dogue do Tibet (Do-Khui), uma raça antiga de trabalho de pastores nômades do Himalaia e guardião dos mosteiros tibetanos, um milênio antes de Cristo, cercados de grande mito desde a descoberta na antiguidade, sendo mencionado desde Aristóteles (384-322 A.C.) até as escritas famosas de Marco Pólo, sempre elogiado pela força e imposição tanto física quanto mental. A raça Dogue do Tibet é considerada hoje como uma raça rara no mundo, havendo poucos exemplares criados.
A existência de cães de guarda de rebanho pode ser datada a cerca de 6 mil anos atrás, possivelmente na região representada nos dias de hoje pela Turquia, Iraque e Síria, sendo que os caprinos e ovinos parecem ter sido os primeiros animais domesticados pelos homens, entre 7 e 8 mil anos atrás, na mesma região. Estes primeiros ruminantes eram de coloração preta, cinza ou marrom e os cães de guarda de rebanho também possuíam coloração similar.
A primeira aparição arqueológica de cães e ovinos juntos é datado em 3585 A.C. Acredita-se que os antecessores dos cães de guarda de rebanho chegaram a Europa com ovelheiros nômades vindos da região da Caucásia no século VI A.C. Também é possível que tenham chegado a Europa junto aos comerciantes fenícios e as conquistas romanas.
A lã branca era preferida na época romana e os cães passaram a ser selecionados a ter esta pelagem. Relatos dizem que os cães de guarda de rebanho de cor branca eram preferidos por serem mais fáceis de serem distinguindos de lobos e predadores. Estes cães são conhecidos hoje como Pastor Maremano Abruzês.
Fonte: FarmPoint